Publicado em 03 ago 2023

Concessionária de energia elétrica é condenada por não cumprir a norma técnica

Redação

Uma demanda indenizatória, proposta pelo genitor de vítima fatal de acidente em consequência de contato com um fio de alta tensão da concessionária de energia elétrica do Rio de Janeiro, provou a responsabilidade objetiva da empresa, acarretando indenização por dano moral. Os fatos foram contestados pela concessionária que não apresentou qualquer prova capaz de afastar a veracidade do laudo pericial, já que ela é responsável pelo funcionamento do serviço e manutenção da rede elétrica, devendo suportar os ônus da sua má prestação de serviço.

Hayrton Rodrigues do Prado Filho – 

O problema surgiu em razão de acidente oriundo de contato com fio de alta tensão da concessionária, que ocasionou a morte do filho de demandante da ação. Deve-se ressaltar a aplicação da legislação consumerista à hipótese, tendo em vista que a ré é fornecedora do serviço de energia elétrica, tendo sido o autor vítima do evento danoso, a despeito da existência de norma específica sobre o assunto.

Ou seja, houve o descumprimento da norma técnica e, mesmo que algumas instituições continuem a defender, de forma irresponsável, a voluntariedade das normas técnicas, deve-se observar que elas são elaboradas em procedimento de consenso pelos diferentes setores, com representantes da atividade privada, consumidores e representantes de órgãos públicos, que compõem a atividade produtiva e de serviço. A afirmação de que a norma é, por princípio, de uso voluntário, mas quase sempre é usada por representar o consenso sobre o estado da arte de determinado assunto, obtido entre especialistas das partes interessadas, é uma defesa do caos do mercado de produtos e serviços, com sérias consequências aos direitos fundamentais dos cidadãos.

As normas são impositivas para todos os setores, uma vez que são homologadas e publicadas, em razão do fundamento de sua expedição e de sua finalidade. Em razão dessa expressa atribuição normativa, contida em textos legais e regulamentares, e qualificada como atividade normativa secundária, delegada pelo poder público, a norma técnica brasileira tem a natureza de norma jurídica, de caráter secundário, impositiva de condutas porque fundada em atribuição estatal, sempre que sinalizada para a limitação ou restrição de atividades para o fim de proteção de direitos fundamentais e do desenvolvimento nacional.

Desta forma, no caso analisado, aplica-se à hipótese o instituto da responsabilidade objetiva, uma vez que o fato deve ser qualificado como fortuito interno, risco inerente à própria atividade desenvolvida pela ré. Assim, cabe ao autor provar apenas a conduta, o dano e o nexo causal. Por outro lado, nos termos do art. 14, § 3º, Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade da concessionária só estaria excluída diante da comprovação de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, a prova documental trazida aos autos comprova a causa mortis do filho do demandante, descrita no atestado de óbito acostado à inicial, que aponta sendo por eletropressão. Para entender o processo, a prova pericial constante dos autos concluiu de forma inequívoca e sem margem de dúvidas, acerca da falha na prestação do serviço da empresa: isto posto, após análise dos autos e diligência no local, é possível concluir que o acidente fatal, que vitimou Marcio Bezerra, teve como origem a não observância pela concessionária da letra c da NBR 5434 de 03/2009 - Redes de distribuição aérea urbana de energia elétrica, que estava em vigor na época dos fatos: se não for possível manter os afastamentos especificados neste desenho todos os condutores cuja tensão exceda a 300 V, fase terra, deverão ser protegidos de modo a evitar contato acidental por pessoas em janelas, sacadas, telhados ou cimalhas.

Houve recurso contra a decisão de segunda instância, mas se conclui que a concessionária é a responsável pelo funcionamento do serviço e manutenção da rede, devendo responder por eventuais danos decorrentes da má prestação do serviço ou da prestação em desacordo com a norma técnica vigente. Assim sendo, se mostra inequívoco o dano causado ao autor, configurando ato ilícito a ensejar o dever de indenizar. a configuração do dano moral é inequívoca já que o acidente vitimou o filho do autor, que veio a falecer em decorrência do acidente, restando apenas analisar o quantum indenizatório arbitrado.

Enfim, os leitores devem entender que as funções normativas são eminentemente estatais o que quer dizer que as normas podem ser equiparadas, por força do documento que embasa sua expedição, à lei em sentido material, uma vez que obriga o seu cumprimento. O estabelecimento das normas técnicas tem a finalidade de garantir a saúde, a segurança, o exercício de direitos fundamentais em geral das pessoas, além de ser o balizamento nos projetos, na fabricação e ensaio dos produtos, no cumprimento dos mesmos pelos compradores e consumidores e na comercialização interna e externa de produtos e serviços.

Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital AdNormas https://revistaadnormas.com.br, membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) e editor do blog https://qualidadeonline.wordpress.com — hayrton@hayrtonprado.jor.br

Artigo atualizado em 02/01/2024 05:10.

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