Os mecanismos biológicos implicados na dor crônica
Redação
A dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada ou que lembra a sensação causada por uma lesão tecidual real ou potencial. O conceito da dor é construído por cada indivíduo, influenciado por fatores biopsicossociais e, com base nas experiências dolorosas.

A dor crônica é um fenômeno complexo que envolve múltiplos mecanismos biológicos. Os principais mecanismos implicados na dor crônica incluem o nociceptivo que é o mecanismo mais comum, onde a dor é gerada pela ativação de nociceptores em resposta a lesões teciduais.
A nocicepção é o processo neural que codifica estímulos que causam ou ameaçam causar lesão. Mediadores inflamatórios, como bradicinina e prostaglandinas, são liberados durante a lesão, levando à sensibilização dos nociceptores e, consequentemente, à dor.
No mecanismo neuropático, a dor resulta de lesões ou doenças que afetam o sistema nervoso somatossensitivo. A dor neuropática pode ser causada por condições como neuropatia diabética, dor pós-acidente vascular cerebral, entre outras. É caracterizada por sintomas como dor em queimação, formigamento e hipersensibilidade.
O mecanismo nociplástico refere-se a uma dor que ocorre sem evidência de lesão tecidual ou doença do sistema nervoso, mas que é caracterizada por uma nocicepção alterada. Exemplos incluem a fibromialgia e a síndrome da dor regional complexa. A dor nociplástica é frequentemente difusa e pode ser acompanhada de hipersensibilidade em tecidos não lesionados.
Esses mecanismos podem coexistir, resultando em uma condição conhecida como "dor mista", onde a dor é influenciada por múltiplos fatores biológicos, psicológicos e sociais. A avaliação cuidadosa dos mecanismos envolvidos é crucial para o diagnóstico e tratamento eficaz da dor crônica.
De acordo com o MS-PCDT: Dor Crônica, o conceito da dor é construído por cada indivíduo, influenciado por fatores biopsicossociais e, com base nas experiências dolorosas. Assim, as queixas álgicas devem ser valorizadas pelos profissionais de saúde e a inabilidade de comunicação dos indivíduos pode não signi ficar ausência de dor.
A aversão à sensação de dor faz com que o indivíduo evite situações em que será exposto a dano físico – essa é a função de preservação da dor. Na dor aguda, esse mecanismo pode evitar o agravamento de uma lesão recente, no entanto, na dor crônica esse mecanismo pode reduzir cada vez mais as atividades diárias da pessoa e limitar os contatos sociais, influenciando negativamente na sua qualidade de vida, com consequências prejudiciais para a saúde dos indivíduos.
Há três mecanismos biológicos implicados na dor, o nociceptivo, o neuropático e o nociplástico. Estes frequentemente coexistem, o que por vezes culmina na denominação de dor mista. Nocicepção, do latim “ferir”, é o processo neural de codificação de um estímulo que lesiona ou ameaça causar lesão tecidual.
A dor pelo mecanismo nociceptivo é a mais frequente e ocorre principalmente nas terminações livres dos nervos nociceptivos, dispostas como uma rede de fibras finas presentes em diversos tecidos do corpo. Quando existe lesão celular, são liberados mediadores inflamatórios como bradicinina, prostaglandinas, leucotrienos e substância P, que estimulam vasodilatação, edema e dor.
Estímulos repetidos levam a alterações no nociceptor e a sua sensibilização, o que diminui o limiar de dor da pessoa. A sensibilização facilita o aumento da responsividade de neurônios nociceptivos aos estímulos, que podem ocorrer na forma de hiperalgesia e alodinia.
Hiperalgesia é um aumento da resposta a um estímulo normalmente doloroso, e alodinia é a dor ocasionada por um estímulo que normalmente não causa dor. A sensibilização pode ser periférica ou central, podendo a central ser medular (segmentar) ou supramedular (suprassegmentar), conforme o trecho do sistema nociceptivo acometido.
Uma série de alterações mal adaptativas perpetuam este ciclo inflamatório. Dor neuropática é aquela decorrente de lesão ou doença do sistema nervoso somatossensitivo. Para que a dor seja classificada como neuropática, é necessário que haja manifestações clínicas neurológicas compatíveis e a sua comprovação por meio de exames complementares.
Dor nociplástica (de plasticidade, ou adaptação) é definida em termos de uma nocicepção alterada, em que os tecidos envolvidos se encontram sensibilizados. Essa dor ocorre mesmo que não haja evidência de lesão real ou ameaça que ative nociceptores periféricos ou de doença ou lesão do sistema somatossensório.
A dor generalizada, vista na fibromialgia, é uma das condições clínicas em que o componente nociplástico se manifesta. Também é possível apresentar uma combinação de dor nociplástica e nociceptiva. A dor crônica pode ser primária (quando não se conhece a causa) ou secundária (quando é consequência de alguma doença conhecida).
Embora existam controvérsias quanto ao ponto de corte e à associação com outros parâmetros para definir dor crônica, esse PCDT opta pela definição de dor crônica como aquela superior a três meses, independentemente do grau de recorrência, intensidade, e implicações funcionais ou psicossociais; porém, recomenda a avaliação destes fatores nos cuidados à pessoa com dor crônica. Estudos populacionais em adultos no Brasil revelam uma prevalência de dor crônica de aproximadamente 40%.
A prevalência de dor crônica intensa (intensidade = 8) gira em torno de 10%; e de dor crônica com limitação grave ou generalizada em torno de 5%. Lombalgia é a dor crônica mais comum, seguida por dor em joelho, ombro, cabeça, costas e pernas ou membros inferiores.
Um estudo realizado em capitais brasileiras mostrou prevalências de 77% para dor na coluna, 50% no joelho, 36% no ombro, 28% no tornozelo, 23% nas mãos e 21% na cervical. Os custos econômicos e sociais da dor crônica musculoesquelética são altos, possivelmente ultrapassando os custos dispendidos a pessoas com diabetes, cardiopatias e câncer.
Dores musculoesqueléticas são o problema de saúde mais frequente na população entre 15 e 64 anos, constituindo a principal causa de aposentadoria precoce, a segunda causa de tratamento de longo prazo e a principal causa de incapacidade em grupos dessa faixa etária. Em 2017, a lombalgia foi a principal causa de anos perdidos por incapacidade entre adultos de 50 a 69 anos de idade; cefaleia, a segunda; e outras desordens musculoesqueléticas, a décima.
Em 2019, dor lombar e cefaleia se mostraram bastante prevalentes entre as causas de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade (respectivamente, a sétima e nona causas). Resultados semelhantes são vistos em todo o mundo. O estigma e a negligência relacionados à dor crônica também a destacam entre as demais doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).